Falo muito de mulheres. Sou feminista, sou a favor do direito das mulheres, etc, etc, no entanto, só ontem parei e pensei numa coisa: Tive o maior exemplo de feminismo e de força na minha própria família. Ela nunca se intitulou feminista, se calhar nem conhecia a palavra. Ela em algumas coisas cedeu à pressão da sociedade, em outras bateu de frente com ela e não baixou a cabeça.
A minha avó materna. Faleceu o ano passado. Tinha 94 anos e teve uma vida recheada.
Veio de uma família pobre, ela própria dizia que muitas vezes passava fome porque não havia o que comer para todos. Casou ainda muito jovem, com apenas 19 anos. Nunca disse que se casou por amor, mas penso que sim. A maneira como falava dele dava a entender isso.
Teve uma filha pouco depois. Fruto dos tempos, ou dos costumes, o marido, a sogra, as irmãs do marido eram alcoólicas, palavra que também penso que eles próprios desconheciam.
A sua sogra penhorou o enxoval da minha avó para comprar vinho. Ela não gostou. Discutiu com o marido, disse que a mãe dele era uma bêbada. Ele bateu-lhe. Ela não se ficou. Atirou-o pelas escadas abaixo. O chão no final das escadas era de lousa. Ele bateu com a cabeça e ficou inconsciente. A minha avé pegou na filha e fugiu. Fugiu o mais depressa que conseguiu com uma criança de apenas dois lados consigo. Não foi longe. As irmãs do marido apanharam-na. Levaram a criança. Tentou ir a tribunal, mas o juiz avisou-a que seria acusada de abandono do lar (fugir de alguém que bate, não era considerado luta pela vida, mas sim abandono do lar), tentativa de homicídio (não auto-defesa) e rapto. A minha avó nada fez. Sofreu em silêncio. Ia ver a filha às escondidas e nunca parou de se referir à sua filha como a sua menina.
Só a voltou a encontrar anos mais tarde, no funeral do ex-marido, que nunca voltou a casar e que no leito de morte só a queria a ela.
Depois deste, existiu outro homem na vida dela. Deste pouco sei. Pouco falava dos anos que passaram juntos. Só lhe restou um filho dele. Este fugiu para o Brasil. Voltou anos mais tarde, segundo a minha avó, com uma preta e foi visitá-la. Pouco mais sei deste. Ficou sozinha com um filho para criar. Filho este que com 16 anos engravidou a namorada e que durante os primeiros tempos após o casamento ficou a viver com a minha avó. A minha avó sustentava-os.
Por fim, o meu avô. Homem casado. O patrão. Mulherengo. Seduziu a minha avó. Tinha mulher e filhos. A minha avó engravidou. Ele teve mais dois filhos com a primeira esposa. A minha avó nunca lhe pediu nada. A minha mãe, uma criança muito doente, sempre adoecer, nunca viu um tostão do pai, porque a mãe lhe tivesse pedido. Era sempre a primeira esposa dele que o obrigava a dar dinheiro, roupa, comida e a passear com elas. A minha avó sustentou uma casa com um adolescente e uma criança doente.
Os anos passaram e ficaram só as duas. A minha mãe recorda que nunca passou fome, mas que a minha avó passou para lhe dar. Que viviam em casas pequenas, em "ilhas", mas que estavam sempre impecáveis. Apesar de tudo eram felizes.
A minha avó foi viver com o meu avô e os seus outros filhos quando a primeira esposa faleceu. Ainda viveram uns tempos conturbados, mas com o entrar na velhice, os netos de ambas as partes, finalmente trouxe alguma paz à minha avó.
Portanto, de tanto ler sobre as outras mulheres esqueci-me que tive uma comigo durante 25 anos e que nada ainda havia sido escrito acerca dela.
Fica o registo.
Obrigada Avó!
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