Sunday, June 28, 2015

No meu útero, na minha cabeça, no meu corpo, na minha vida, na minha mãe, mando eu! Ponto final.

Num dos blogues que sigo vi um texto que me tocou.
Nunca fiz uma IVG ou um aborto, como lhe queiram chamar.
Mas já estive perante um momento desses. De se calhar ter de tomar essa decisão.

Pensei que estava grávida.
Vi e revi mil e uma vezes as coisas que se diziam. Como era o procedimento.
Como seria depois. Pensei, pensei e voltei a pensar.

Foram alguns dias a até ter a certeza que não estava, mas se estivesse a decisão estava tomada.

Foi por isso que o texto que está neste link e que aqui vos deixo me tocou mais do que qualquer outra coisa:

"Fiz uma IVG já depois da despenalização, para cujo referendo, anos antes, votara "sim".
Toda a gente que lê este blog sabe que a minha causa é a causa da liberdade, do direito de escolha, do livre arbítrio, pelo que, quanto a esta questão em específico a minha postura não poderia ser outra que não a de permitir à mulher o direito legal para decidir acerca da sua vida. Porque é disso que se trata.
Quando descobri que estava grávida, naquele ano, fiquei aflita. Por muitas razões, todas elas que me dizem apenas respeito a mim, a opção pela interrupção voluntária da gravidez era a solução mais sensata e de mais bom senso no que à minha vida, naquela altura e circunstância, dizia respeito.
Estava de pouco tempo quando fiz uma primeira ecografia, entre nós na garganta e apertos no peito, uma aflição desmedida. Num hospital privado fizeram-me a ecografia ainda com sonda, pois o tamanho do embrião assim o exigia. Expliquei ao médico que a minha intenção era interromper aquela gravidez e, quando sadicamente, me perguntou por que não olhava para a primeira imagem do meu "bebé" respondi-lhe de forma agressiva que não. Que não queria confrontar-me com a existência de um ser vivo dentro de mim. Deve ter-me achado cruel pois amuou durante o resto da consulta e quando nos despedimos recomendou-me a pensar melhor na situação do "aborto". Aquelas palavras ecoaram na minha cabeça: "bebé" e "aborto". Chorei três dias seguidos, ininterruptamente.
Não se tratava da força das palavras, os eufemismos a mim não minimizavam a dor e a angústia da decisão que estava prestes a tomar. Dizer "feto" ou "IVG" não minimizavam a aflição que senti naqueles dias, já depois de, num hospital público, assinar os papéis que formalizavam a minha decisão e esperar pelo período de reflexão para receber os comprimidos da IVG medicamentosa.
Ninguém decide fazer um aborto de ânimo leve (e se há quem decida, então não é da minha conta julgá-la: cada pessoa tem a sua história e as suas motivações).
Quando enfiei aqueles comprimidos debaixo da língua enfiei-me debaixo dos lençóis a noite toda: não queria ver luz, não queria ouvir gente, sentia-me triste e desolada.
As razões pela quais uma pessoa decide abortar não têm uma importância maior ou menor, não obedecem a uma hierarquia ou taxonomia da importância. Decidir que não se querer ter um filho com uma mal formação congénita não é uma razão mais válida que decidir que não se quer ser mãe porque não se tem as condições (económicas, sociais, laborais ou, mesmo, simplesmente emocionais) necessárias. Cada mulher saberá de si e cada pessoa tem a sua história, as suas vivências, os seus valores, as suas motivações e as suas razões. Que apenas a si dizem respeito.
Correu mal a minha experiência. Tive uma série de complicações e tive que fazer uma curetagem uterina sob anestesia geral. Estive internada e bastante fragilizada.
Ninguém decide fazer um aborto de ânimo leve. Eu não fui excepção.
Hoje, já depois de uma gravidez bem sucedida, de ecografias felizes e de experimentar a maternidade e do papel de mãe da Ana ser o que mais me realiza na vida, posso afiançar com segurança que, se passasse por aquela mesma situação, naquelas mesmas circustâncias continuaria a não querer olhar para a ecografia e não deixaria que nenhuma dondoca de direita me obrigasse a olhar para o feto ou bebé ou como o queiram chamar porque nos meus olhos mando eu; não assinaria em cima de nenhuma ecografia numa espécie de tortura pidesca psicológica porque nas minhas mãos mando eu; e sim, voltaria a fazer aquela interrupção voluntária da gravidez ou aborto- como queiram- porque da minha vida sei eu.
Porque na minha vida mando eu."

in "Quadripolaridades"

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